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Zona Franca de Manaus: entenda como funciona e quais os impactos para a região

Para explicar se Zona Franca ainda é relevante para a economia do Amazonas, o g1 buscou explicações com dois especialistas. Veja os pontos positivos e negativos do Polo Industrial.

Por Karla Mendes


Linha de produção de motocicletas no Polo Industrial de Manaus (PIM). Funcionários da Moto Honda. — Foto: Foto: Josney Benevuto/Rede Amazônica

Linha de produção de motocicletas no Polo Industrial de Manaus (PIM). Funcionários da Moto Honda. — Foto: Foto: Josney Benevuto/Rede Amazônica

Você já se perguntou por que a Zona Franca de Manaus é importante? Como ela funciona? Qual a influência econômica e no dia a dia na região Norte?

A Zona Franca de Manaus foi criada por meio de um decreto do Governo Federal, em 1967, com a proposta de fortalecer uma base econômica na região amazônica, tudo isso através de incentivos fiscais para empresas. No entanto, nos últimos 50 anos, o modelo de desenvolvimento passou por mudanças que impactaram as organizações.

Até julho deste ano, a Zona Franca manteve uma média de 101.926 postos de trabalhos diretos, movimentando cerca de R$ 87,7 bilhões . São mais de 600 indústrias instaladas no modelo, com investimentos em áreas de engenharia, tecnologia, formação e produção industrial.

Mas para responder se a Zona Franca ainda é relevante para a economia do Amazonas, o g1 buscou explicações com dois especialistas: o economista, pesquisador e escritor Osiris Silva, autor de diversas obras sobre o polo industrial, e o sociólogo e pesquisador Francinézio Amaral , que está produzindo uma tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará, em que analisa e compara as dinâmicas dos processos de exportação e industrialização entre o Brasil e a China.

Confira os pontos positivos e negativos da Zona Franca, segundo os pesquisadores:

Pontos positivos:

  • Aumento de renda per capita do Amazonas e diminuição da diferença com grandes centros econômicos, como São Paulo

De acordo com o estudo “Zona Franca de Manaus: Impactos, Efetividade e Oportunidades”, da Fundação Getúlio Vargas, a Zona Franca de Manaus promoveu um crescimento da renda per capita, deixando o Amazonas próximo da média nacional, que era de aproximadamente R$ 19 mil, em 2010 – último ano em que os dados foram disponibilizados para comparações estaduais.

Para se ter uma ideia da mudança, em 1970, no começo da Zona Franca, a renda per capita de São Paulo era estimada em R$ 17,4 mil em valores atuais. O valor era sete vezes maior do que a do Amazonas, que ficava em R$ 2,4 mil.

Já em 2010 essa diferença diminuiu para 1,8 vezes, tendo São Paulo uma renda per capita de R$ 30 mil e o Amazonas R$ 17 mil. Esse valor de R$ 17 mil é o apontado pela FGV como próximo da média nacional, de R$ 19 mil, citado acima.

  • Aumento de formações em áreas relacionadas a engenharia, pesquisa industrial e afins.

O mesmo estudo aponta que a Zona Franca afetou positivamente a proporção de empregados na indústria de transformação. Cresceu a formação de quadros especializados, como engenheiros, técnicos operacionais, administradores e gerentes, em todos os níveis e especialistas em mercado e direito internacional.

Mesmo assim, Silva ressalta que ainda não há evidências deste impacto para a população em geral, ou seja, para aqueles que não estão inseridos no Polo Industrial de Manaus.

Pontos negativos:

  • Falha ao ignorar agricultura e pecuária, fortes na região, ficando atrás de outros polos tecnológicos da China, por exemplo.

Segundo Silva, a Zona Franca falhou gravemente ao ignorar a agricultura, pecuária e a agroindústria. Não foram contemplados investimentos voltados para bioeconomia, sustentável e recursos da biodiversidade, por exemplo, os biofármacos, biocosméticos e bioengenharia.

“Estudos do Inpa concluem, por exemplo, que o mercado mundial de madeira pode ser abastecido pela região, via manejo florestal sustentável, ao menos durante 100 anos. Sem derrubar um hectare sequer de floresta”, afirma.

  • Lentidão das pesquisas em biotecnologia e produção sustentável.

A Zona Franca de Manaus pouco avança em termos absolutos, no campo da Ciência e Tecnologia. Apesar de existirem alguns casos de sucesso, os campos da biotecnologia, produção sustentável de alimentos e produtos agrícolas permanecem em estado letárgico.

“Não avança, como se permanecesse à espera de um milagre. Sobretudo, por largamente depender de ações do governo brasileiro em alinhar-se aos países líderes da economia contemporânea, globalizada e movida a tecnologia de ponta”, ressalta Silva.

  • A implantação do modelo desconsidera características socioeconômicas da população local

O sociólogo Francinézio Amaral, em sua tese de doutoramento pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA, que analisa e compara os processos de exportação e industrialização entre o Brasil e a China, afirma que a forma como a Zona Franca de Manaus foi implementada desconsiderou as características econômicas, sociais e culturais da sociedade amazonense.

“Ao impor uma lógica de organização da vida totalmente antagônica, sem que houvesse um planejamento adequado que garantisse, ao menos, um processo de transição que permitisse à população uma melhor adequação a esse novo modelo, a Zona Franca desconsiderou as características econômicas, sociais e culturais da sociedade”, afirma Amaral.

“O resultado disso é um êxodo que levou à concentração populacional, que somado à falta de planejamento urbano, desdobrou-se em uma expansão desordenada da cidade que causaram desde impactos ambientais ao aumento dos índices de violência e desigualdade social”, disse o pesquisador.

Impactos no dia a dia

E quem trabalha diariamente em empresas da Zona Franca de Manaus pode comentar os impactos gerados pelo sistema. É o caso de Iramylson Freitas, formado em engenharia elétrica pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que trabalha há mais de 20 anos na indústria. A carreira dele começou em 2000, quando participou de um estágio no primeiro instituto de pesquisa do Norte e Nordeste.

“Ainda na faculdade eu queria muito entrar para as empresas e industrias do Polo Industrial e eu ainda lembro bem que eu tinha poucos recursos financeiros na época. Lembro que tinha 10 reais e metade desse valor eu tirei xerox para entregar em várias fábricas e a outra metade usei para colocar gasolina em um fusca que eu tinha, para ir até essas empresas”, relembra.

Iramylson trabalha há mais de 20 anos em empresas do Polo Industrial. — Foto: Arquivo pessoal

Freitas conta que a intenção era seguir os passos do pai, que também havia trabalhado no Distrito Industrial. Ele já foi gestor de uma empresa americana, chegou a trabalhar por 8 anos em São Paulo, e hoje é gerente de uma empresa taiwanesa, instalada no Polo Industrial.

“Eu sempre tive o sonho de ir crescendo na minha carreira de engenheiro, até me tornar gerente, alguém de referencia dentro de uma grande empresa, uma grande industria. Olhando para o passado, a reflexão que faço hoje é que cresci nessa jornada, contribuindo para o crescimento do nosso Estado”, conta.

Iramylson também conta que o Polo Industrial movimentou não só sua carreira, mas também a vida pessoal. Ele conheceu a esposa durante um estágio no Polo Industrial.

“Um bom exemplo disso é o meu casamento. Eu a conheci no meu primeiro emprego, que foi estagiando dentro do instituto de pesquisa. Namoramos, casamos e um dos diretores de uma empresa do Polo Industrial é padrinho do nosso casamento, ou seja, tudo interligado”, pontua.

Como podemos avançar ?

Existem caminhos apontados pelos especialistas para melhorar a forma como a Zona Franca funciona atualmente, entre eles, estão o investimento em ciência e tecnologia e a integração do modelo com o restante do país.

Silva ressalta que o complexo Zona Franca de Manaus, que hoje se restringe à indústria, ao comércio e serviços, terá que obrigatoriamente investir em Pesquisa, Desenvolvimento e inovação para se ajustar ao padrão global e acompanhar os níveis tecnológicos e de inovação praticados nos países desenvolvidos.

“Ou a ZFM acompanha a revolução tecnológica em pleno curso conduzida pelos países líderes do crescimento mundial ou novamente perde o trem da história, sobretudo por não mais ser possível, no mundo globalizado, de abertura comercial e de logística de transporte de alta eficiência, manter-se na condição de simples modelo substituidor de importações. Os tempos são outros”, reforça .

Para o pesquisador, também é necessário inserir a Zona Franca no mundo globalizado, o que é fundamental atualmente.

“Há pelo menos 40 anos que se tem plena convicção de que a Zona Franca, embora exitosa em alguns aspectos, deve acordar para o mundo novo que gira ao nosso redor. Esta é a razão fundamental que torna indispensável e urgente incluir uma plataforma de exportações como conteúdo essencial à nova matriz econômica que se faz necessária alcançar”, finaliza.