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Ameaça à Amazônia: Os Riscos da Criação da Zona Franca do Distrito Federal para a Sustentabilidade da Zona Franca de Manaus

Por Farid Mendonça Júnior
Economista, Advogado Administrador e Assessor Parlamentar no Senado Federal

 

O Projeto de Lei nº 4.247, de 2019, de autoria do Deputado José Nelto, propõe a criação da Zona Franca do Distrito Federal e Entorno (ZFDFe), abrangendo não apenas o Distrito Federal, mas também 29 municípios do Estado de Goiás e 4 do Estado de Minas Gerais. A proposta estabelece que o novo polo industrial e comercial contará com os mesmos incentivos fiscais, cambiais e administrativos hoje concedidos à Zona Franca de Manaus. Isso, por si só, representa uma ameaça significativa ao modelo econômico vigente na Amazônia Ocidental.

A justificativa apresentada pelo autor ressalta que a Zona Franca de Manaus é um caso bem-sucedido de política pública de desenvolvimento regional. No entanto, ao propor a replicação desse modelo em uma região geograficamente privilegiada, próxima dos grandes centros consumidores do país, o projeto introduz um risco estrutural que pode inviabilizar a continuidade e competitividade da ZFM.

O projeto cria uma nova zona franca, nos moldes da ZFM, com incentivos fiscais especiais, isenções tributárias federais e estaduais, e um regime administrativo simplificado. A área de abrangência contempla áreas contínuas de 20 km² em cada um dos municípios listados no PL. Essa região forma a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE-DF), já contemplada por diversas políticas públicas federais voltadas à integração de serviços e infraestrutura.

De acordo com o texto do projeto e seu parecer mais recente na Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, a proposta é aplicável sob o mesmo regime jurídico vigente para a Zona Franca de Manaus, o que incluiria, portanto, isenções de IPI, redução do Imposto de Importação e do IRPJ e benefícios específicos de ICMS acordados com os estados.

O grande problema reside na duplicação de incentivos fiscais em condições geográficas completamente distintas. Enquanto a Zona Franca de Manaus foi concebida como uma forma de integrar economicamente uma região isolada, distante e carente de infraestrutura, a ZFDFe seria implantada no coração geoeconômico do país, com fácil acesso rodoviário aos principais mercados consumidores e polos logísticos.

A seguir, destacam-se os principais pontos que evidenciam o risco à Zona Franca de Manaus:

1.Desvantagem Logística da ZFM

A principal dificuldade enfrentada pela Zona Franca de Manaus é sua localização remota. A cidade de Manaus está a mais de 2.000 km dos principais centros consumidores do Brasil (Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Grande parte do transporte de insumos e produtos acabados depende de vias fluviais e aéreas, com custos logísticos significativamente maiores do que aqueles enfrentados por indústrias instaladas no Planalto Central.

Com a criação de uma zona franca em região central e bem conectada (o DF e seu entorno têm acesso imediato a rodovias federais e ferrovias, e estão próximos de Brasília, Goiânia e Belo Horizonte), os mesmos incentivos seriam concedidos a empresas com custos logísticos drasticamente menores. Isso tornaria o Polo Industrial de Manaus (PIM) não competitivo frente ao novo polo sugerido.

2. Fuga de Investimentos

Empresas atualmente instaladas em Manaus, beneficiadas por incentivos fiscais mas sobrecarregadas com custos de transporte e dificuldade de escoamento, encontrariam na ZFDFe uma alternativa muito mais atrativa. O risco de migração de investimentos e postos de trabalho da ZFM para a nova região é concreto. E não apenas empresas poderiam migrar, mas também futuros investimentos deixariam de considerar Manaus como destino.

3. Concentração Econômica

A criação da ZFM teve como uma de suas motivações fundamentais a desconcentração do desenvolvimento econômico, levando oportunidades para regiões periféricas e menos integradas. Ao criar uma zona franca em uma área que já possui vantagens competitivas e está inserida em um eixo econômico consolidado, o país caminha em direção oposta, acentuando desequilíbrios regionais.

4. Ameaça à Sustentabilidade do Modelo Amazônico

O modelo da Zona Franca de Manaus tem servido não apenas a propósitos econômicos, mas também à preservação ambiental. O PIM atua como um agente de conservação da floresta amazônica ao oferecer emprego e renda na cidade de Manaus, desestimulando o avanço predatório sobre o interior da floresta. O enfraquecimento da ZFM ameaça esse pacto entre desenvolvimento e sustentabilidade, pois diminui o valor estratégico da floresta em pé.

5. Precedente Perigoso

O PL 4.247/2019 abre precedente para que outras regiões também pleiteiem modelos semelhantes, o que comprometeria a sustentabilidade fiscal da União. Ao replicar isenções e estímulos com impacto bilionário em múltiplas regiões, sem critério de desigualdade ou necessidade, o governo federal poderá enfrentar dificuldades para manter tais políticas, inclusive a própria ZFM.

Sendo assim, a adoção do Projeto de Lei nº 4.247/2019 configura uma ameaça direta ao modelo da Zona Franca de Manaus. A replicação de incentivos fiscais em áreas já integradas e privilegiadas economicamente desequilibra o cenário de competição entre regiões brasileiras, criando uma disputa desigual por investimentos.

A ZFM é uma política pública diferenciada, desenhada sob critérios específicos e sustentada por sua localização remota, suas dificuldades logísticas e seu papel estratégico no contexto amazônico. Reproduzir seus benefícios em regiões com vantagens naturais e estruturais pode levar à falência de sua razão de existir.

Por esses motivos, é essencial que o Congresso Nacional avalie com critério os riscos implicados pela proposta. O desenvolvimento do Centro-Oeste pode e deve ser incentivado, mas não às custas do colapso de um modelo que por mais de cinco décadas tem gerado emprego, renda e preservação ambiental na Amazônia.